Esmeralda, que tristeza tua risada!
Certo dia conheci Esmeralda. Tinha a cabeça chata e o cabelo ralo. Devia pesar uns 120 ou 130 quilos. Gostava de vestir bolas. Às vezes, monocromáticas, noutras, multicoloridas. Mas sempre bolas. Andava com dificuldades e pior ainda era levantar. Me oferecia sempre um braço para ficar em pé. O que mais me impressionava nela era o som de sua risada. Ela começava e eu doía de rir também. Por nada, muitas vezes. Mas havia um grave probleminha. Esmeralda, se ria demasiadamente, sofria. Precisava de ajuda para parar. E para parar, seu estômago precisava ser esmurrado. Quanto maior a força, maior a eficácia. Ela só me revelou isso há duas semanas, quando ri e chorei ao seu lado.
Estávamos no cinema. Uma comédia na tela. Geralmente minhas risadas não são estimuladas por filmes cômicos. São raros os que de mim desprendem risos. Gargalhadas só experimentei ao lado de Esmeralda mesmo, justo neste dia.
A cena era patética, mas de fato, engraçada. Duas crianças traquinavam na cozinha. Juntas tiveram a idéia de chupar o gelo (que eles chamavam de neve) acumulado no congelador. Fariam um rodízio. Enquanto o primeiro agachava e servia suas costas como salto, o segundo abocanhava a invenção. (Nisso, Esmeralda já começava. Ria em pedacinhos, baixinho. Depois, de acordo com a evolução da bobagem que via, alargava sua graça. Endireitava-se na cadeira para que o diafragma funcionasse melhor). Na primeira tentativa, a criança ficou com os lábios grudados na geladeira. A criança-escada, chorava de dores, depois ria, o outro grudado e Esmeralda estrondava de rir. Eu, por tabela, nunca tinha rido tanto. Ela olhando para o filme, lacrimejando de rir. Eu olhava para ela e me superava na gargalhada. Começamos a incomodar. Fui cessando, me preocupando. Esmeralda, não. Ela ria de olhos fechados, balançando a cabeça de um lado para o outro como se quisesse achar concentração para parar. Piorava.
Comecei a me preocupar de verdade. Esmeralda ria e parecia querer me dizer alguma coisa. Eu não entendia e ela achava mais graça.
- Mi bá, mi bá, mi bá... hahahahahahahaha
- O quê, Esmeralda? Está ficando louca? Pára! - Eu suava e tentava me esconder da platéia que a esta altura insinuava revolta.
- Mi bá, mi bá, mi bá - entre risos enlouquecidos, contorcionismo e caretas, Esmeralda repetia.
- Esmeralda, respira. Calma. Esmeralda, calma. Isso...
- Mi bááááá... hahahaha
Cacete! o que eu vou fazer? (pensava)
- Fala, Esmeralda... tenta, vai...
- Me bate... hahahahahaha... me bate, me bate... hahahahaha
- Bater? Tá doida? Por quê?!
- Me bate... hahahaha... me bate na barriga... hahahahaha... ajuda, quero pararhahahahaha...
Meu Deus! Sem muito pensar, ajoelhei-me na sua frente e soquei.
- Hahahahahaha - parecia não adiantar.
- mais forte, mais forte! Hahahaha...
Onde vim me meter?! Fechei os olhos, apertei os dedos das mãos e esmurrei Esmeralda. Juntei toda a minha força, concentração e a vontade que tinha de cessar aquele absurdo. Quando estava já conseguindo calar Esmeralda... Pow! Todas as luzes do cinema acenderam. Em seguinda uma ensurdecedora vaia!
Levantei lentamente. Nesta hora, Esmeralda calou-se, endireitou-se na cadeira e ninguém diria que ela havia tido um surto. Eu, atônita, descabelada, e ainda em gesto de soco, vi os policiais se aproximarem. Um deles, o mais assustador, levantou meu braço e perguntou a todos:
- Foi esta?!
- Foooooooooooooooooi! - respondeu a platéia agora feliz e estonteante com o espetáculo extra.
- Não! - tentei explicar.
- Não tente explicar - disse o policial rispidamente - Você foi pega em flagrante e tudo que disser poderá ser usado contra você!
Olhei para Esmeralda. Ela, nada. Apenas alisava a estúpida barriga. E eu:
- Esmeralda? Não vai dizer nada?!
- Vamos, já protagonizou demais por hoje, mocinha - finalizou o policial me levando pelo braço debaixo de uma chuva de aplausos.
Ao passo em que me distanciava, um alívio foi invadindo minha angústia. De longe podia ouvir o ressurgir do riso de Esmeralda. E como uma sábia em ar maquiavélico, deixei o cinema naquela tarde.
Publicado originalmente setembro de 2004
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